sexta-feira, 28 de maio de 2010

Como apoiar ditaduras e parecer democrático

A seleção brasileira vai ao Zimbábue. Vai jogar contra o catadão local como forma de preparar o grupo para a Copa.

O Zimbábue vive uma das mais grotescas ditaduras da história moderna. O autoproclamado líder, Roberto Mugabe, está por lá faz 30 anos. A inflação é de 165.000% ao ano. Não é erro de digitação, embora eu seja dada a eles – o número é 165 mil mesmo. A renda per capita não chega a U$300 e a expectativa de vida, segundo li no caderno de esportes de O Globo, é de 43,4 anos. Se morássemos no Zimbabue, Dunga e eu estaríamos perto do fim de nossos dias.

Ainda assim, o Zimbábue, essa espécie de purgatório terrestre, vai pagar à CBF, pela enorme honra de receber a seleção brasileira em seu paupérrimo território, R$ 3,2 milhões (esse é o número oficial; há quem diga que é bem mais do que isso). Dinheiro, evidentemente, público, ou seja, dinheiro do povo daquele país.

E a CBF, essa nossa entidade presidida pelo mesmo homem há 20 anos, acha que tá valendo. Tá tudo certo em aceitar a graninha do Zimbábue, tudo certo em fazer uma visitinha festeira ao totalitarismo local, tudo certo em dar um pulinho por lá e apertar as mãos do ditador.

Fosse o Irã mais pertinho, ninguém precisaria ir ao Zimbábue.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A tropa de Dunga

Dunga pode dizer que deu muitas chances a Diego na Seleção. Afinal, o meia disputou 21 partidas com o treinador. Mas uma análise mais detalhada mostra que em boa parte desses jogos ele entrou no final do segundo tempo, totalizando 811 minutos em campo: uma média de 38 minutos por partida.

Pensando nisso, elaborei uma lista dos atletas que jogaram na Era Dunga, rankeados por minutos em campo. Aproveitei e coloquei algo inusitado: quantos gols o Brasil fez/levou enquanto eles estavam jogando. A partir disso, fiz uma nota para o Globoesporte.com (aqui).

Isso explica por que Victor não está lá. Gomes, hoje em grande fase no Tottenham, foi um dos goleiros do início da Era Dunga.

Na lateral direita, Maicon disputou 44 jogos e Daniel Alves, 34. Na maioria das vezes, no entanto, Alves entrou no 2º tempo.

Kléber teve um aproveitamento incrível com a Seleção, mas sua arrogância o fez ser preterido por Michel Bastos, 3 partidas com Dunga.



Daí Alex, e não Miranda, na lista de espera da Copa. Juan era o chefe da zaga no começo da Era Dunga, mas uma ausência por lesão alçou Lúcio ao posto de xerife.


Gilberto Silva jogou menos jogos do que Robinho, mas ficou mais minutos em campo. Mineiro, segundo colocado, não foi para a Copa. Felipe Melo nunca perdeu uma partida pela Seleção. Curiosidade para Tinga - com ele em campo, a Seleção não fez gols e levou 3.



Kléberson teve apenas 48 minutos com Dunga, contra 1352 de Ronaldinho Gaúcho, que também nunca perdeu com Dunga.



Vágner Love jogou 19 partidas com Dunga e marcou 4 gols. Nilmar jogou 10 e marcou 7 vezes. Grafite jogou 27 minutos, mas deu passe de calcanhar para um golaço de Robinho contra a Irlanda (aqui).

¹ Partidas que o atleta começou jogando (partidas que o atleta entrou durante o jogo)
² Gols pró e gols contra do Brasil enquanto o jogador estava em campo

Por que não babo pela seleção

Se você é desses que não pode ouvir um brasileiro criticando a seleção, pare de ler este texto agora, antes de ficar tentado a usar toda proteção que o meio oferece para soltar seu arsenal de ofensas anônimas.

Se você quer entender como um brasileiro pode levantar os ombros para a própria seleção – e até se manifestar contra as colocações abaixo de forma civilizada –, como escreveria um Ariano Suassuna com crise de identidade, go ahead.

Poderia dizer que não pago pau para a seleção nacional por dever de ofício. Soaria bonito, mas não seria verdadeiro.

Eu simplesmente trato a seleção nacional como um objeto de análise crítica porque não tenho apego afetivo a ela. E, sem apego afetivo, fica mais fácil ver defeitos, exatamente como quando deixamos de amar uma pessoa e, ao encontrá-la na rua durante uma quarta-feira qualquer e vê-la passar, olhamos para trás e notamos que nem tão bonita assim ela era.

Não tenho apego à seleção nacional porque não concordo com a forma como ela é administrada – pouca transparência, perpetuação de poder, distanciada do povo e da mídia (refiro-me à imprensa de verdade, não à oficialiesca e pachequenta), “oficiais” de discurso sempre cheio de arrogância e atitude pernóstica.

Minha ausência de carinho com a seleção também passa pela preferência dela por uma filosofia defensiva e careta de jogo, a despeito de sermos mundialmente conhecidos como o país do futebol-arte, imagem que estamos tratando de arruinar – e em detrimento do jogo como forma de expressão artística e não usado apenas como reprodução simbólica de um campo de batalha.

Leva tempo para se aniquilar uma percepção como a que ainda tem a nossa seleção nos cinco sentidos do consciente coletivo mundial, mas, nessa toada, chegaremos lá antes de conseguirmos soletrar hexacampeão.

Esse tipo de filosofia de jogo, pobre e covarde, começou a se formar com as derrotas de 82 e 86, quando jogamos bonito e perdemos. Aí, o jogar bonito passou a ser coisa para quem gosta de perder – o lance é jogar feio e ganhar, o lance é analisar tudo com números, com dados, com estatísticas, com objetividade máxima – e às favas com a arte e com a subjetividade que nela deve sempre prevalecer.

Também não morro de amores pelo time nacional porque não gosto de ver uma seleção sendo usada como instrumento de controle das massas – um certo nacionalismo exagerado, essa regra totalitária de medir o nível de patriotismo do cidadão pelo amor que ele demonstra pela seleção, atitudes ufanistas que podemos facilmente relacionar com os piores anos da história da humanidade.

Nem sei o que significa ser patriota se o sentido de patriotismo for semelhante ao da fé: acredite sem questionar. Aí sim vou ter que usar a carta do “dever de ofício”. Não se pode fazer jornalismo sem questionar absolutamente tudo.

Exatamente por isso, quando se trata de Brasil, torço apenas para que, um dia, todo o cidadão tenha saneamento básico, acesso à educação de qualidade, comida à mesa, identidade moral e saúde pública.

Quando penso em Brasil, torço também para que nossa classe política deixe de se corromper, de construir castelos e de nos envergonhar, para que nossos empresários recusem o jogo sujo do poder e para que o dinheiro de nossos impostos seja usado em benefício de quem mais precisa dele e, depois, faça o pais crescer de forma a diminuir a diferença entre as classes.

Já quando o papo é futebol, torço para que o jogo consiga me inspirar, para que seja visto novamente como espetáculo, para que volte a ser chamado de arte no sentido mais amplo que a arte pode ter: como uma crítica da vida, capaz de nos fazer entender que existe alguma coisa muito maior do que aquilo que podemos ver, sentir, escutar, cheirar e tocar.

Se essas qualidades estiverem em pés argentinos, espanhóis ou holandeses, então é por eles que me emocionarei. Porque manifestações artísticas são maiores do que bandeiras, maiores do que hinos, maiores do que qualquer nação – mesmo que seja a nossa nação.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Surpresas da Copa: Estados Unidos

Vou lançar aqui a minha primeira aposta para a Copa do Mundo, daquelas para você voltar depois e me sacanear: os EUA vão chegar nas quartas-de-final, e cair para a Argentina.

Para justificar a aposta, parto do desempenho dos norte-americanos na última Copa das Confederações (eliminaram a Espanha, quase foram campeões em cima do Brasil), do caminho fácil dos EUA na Copa-2010 e vou buscar uma evolução desde os tempos de Alexi Lalas-1994.

1) Copa do Mundo-2010, Grupo C
Argélia, Inglaterra, Eslovênia e EUA. Eslovênia ganhou da Rússia e da Polônia nas Eliminatórias. Not enough. Argélia nem conto. Minha dúvida é se os EUA terminam em 1º (pegariam Sérvia ou Gana nas oitavas e França ou Nigéria nas quartas) ou 2º (Alemanha nas oitavas e Argentina nas quartas). De qualquer modo, caem nas quartas.

2) Copa das Confederações-2009
Ok, tudo começou num golpe de sorte à la Itália-82. EUA 1x3 Itália e EUA 0 x 3 Brasil, desclassificação à vista, tudo dependendo de um milagre e tal. Aconteceu. Brasil meteu 3x0 na Itália e EUA fizeram 3x0 no surpreendente Egito. Se classificaram nos gols pró.

EUA 2x0 Espanha - Foram 29 chutes da Espanha (8 no gol) e 9 dos EUA (2 no gol). E o segundo gol dos EUA foi bizarro (veja aqui). Mas, se formos nos basear em números, os EUA deram 53 chutes a gol no torneio (acertaram 23), e levaram 118 (49). O que impressionou não foi a qualidade técnica (nunca seria), mas sim a performance tática e o desempenho físico.

EUA 2x3 Brasil - Ao final do primeiro tempo, com 2x0 para os EUA e uma aula de contra-ataque no gol de Donovan (um gol "de Copa do Mundo", veja aqui), o mundo estava chocado com os 45 minutos de bom futebol dos americanos. Claro que o Brasil virou, explorando nossa imbatível bola aérea, mas o choro de Lúcio no 3º gol mostrava que não havia sido uma virada sobre um adversário qualquer.

3) De Lalas a Altidore
1994, o roqueiro Lalas chefiando a zaga americana em casa, Leonardo dando cotovelada em Tab Ramos, Brasil sofrendo para vencer com gol "Eu te amo" de Bebeto. Desde então, sempre ouço o "Agora que os americanos estão investindo em futebol, serão os melhores do mundo. Como em tudo o que fazem". Bem, o tempo mostrou que as coisas não são assim tão fáceis. Mas parece que estão aprendendo. Algumas mostras:

1996, Copa Ouro da Concacaf
Um ótimo Brasil Sub-23 (que perderia a semi da Olimpíada para a Nigéria) penou para vencer por 1 a 0, depois caiu na final para o México (2x0). Os EUA venceriam a competição em 2002, 2005 e 2007 (ok, vai, perderam a final de 2009 por 5x0 para o México, mas estavam com um time B)

Ranking da Fifa
Não vale nada, mas sempre comemoramos a liderança, não é? Desde 1994, a pior posição dos EUA foi 35º (out/97) e a melhor, 4º (abr/06). Atualmente, estão em 14º lugar.

México, um freguês
O grande rival, a Argentina deles, é mais conceituado mundo afora, mas tem se dado pior nos confrontos diretos. Desde a Copa-94, foram 25 jogos, com 14v dos EUA, 6 empates e 5v do México. Em Eliminatórias, foram 6 vitórias dos EUA e 2 empates. Em Copa das Confederações, vitória dos EUA em 1999. E, na Copa de 2002, vitória americana nas oitavas (2x0).

Copa de 2002
1ª fase - 3x2 em Portugal (!), 1x1 contra a anfitriã Coreia do Sul e 1x3 para a Polônia.
Oitavas - os já mencionados 2x0 no México
Quartas - derrota para a Alemanha, 1x0

Ah, Jozy Altidore é a cara da atual seleção. Atacante alto (1,85m), forte, 20 anos, marcou 8 gols em 24 partidas pelos EUA. Deve comandar o ataque ao lado do eterno carequinha Landon Donovan (28 anos, 121 jogos, 42 gols e 42 assistências pelos EUA).

Hoje à noite eles enfrentam a República Checa e amanhã (quarta-feira, 26/5) à tarde divulgam os 23 jogadores da Copa.


Update: EUA perderam amistoso em casa para a República Checa (de Peter Cech) por 4x2, veja os gols aqui

Update 2: os 23 convocados dos EUA aqui
Por que o Brasil não vai ganhar a Copa

Não é uma pergunta, trata-se de uma afirmação. O Brasil não vai ganhar a Copa da Africa do Sul. Se você ainda não está suficientemente ofendido com a colocação, continue a ler e entenderá por que voltaremos para casa com o rabo entre as pernas.

O Brasil não vai ganhar a Copa porque vem negando, ano após ano, sua essência, que é o futebol-arte, ou o jogo bonito, como uma das patrocinadoras da seleção decidiu chamar, e divulgar, nosso futebol pelo mundo. Tivesse a patrocinadora despejado seus milhões nas seleções de Telê Santana, não soaria tão disconectada da realidade. Mas não. Resolveu ignorar os fatos e chamar de futebol bonito a atual retranca amarela.

Mas deixemos a patrocinadora para lá. O que importa dizer é que negar nossa essência – e isso vale para tudo na vida – não faz ninguém ir muito longe. Quartas-de-final, quem sabe.

O Brasil não levantará o caneco na África do Sul porque, ao contrário do que vimos em 2002, há boas seleções na disputa – Espanha, Alemanha e Argentina, para citar três times que não trocaram o ataque pela defesa e continuam apostando no toque de bola, no futebol que inspira, faz sonhar e devanear.

O Brasil não ganha essa Copa porque tem uma seleção lotada de volantes, sem criação no meio de campo. E quem ainda acha que Kaka é armador vai, certamente, entender que ele não é quando vir o fundista perdido entre tantos marcadores, sem conseguir fazer nada que seja muito criativo, a não ser quando uma bola sobrar limpa a seus pés e houver espaço de sobra para o contra-ataque. É nessa condição que Kaká brilha, desde que não tope com um Gattuso pelo caminho.

O Brasil volta para casa mais cedo porque trocou liberdade por segurança e, no futebol, isso também se chama covardia.

O Brasil não vai ser hexa porque se recusou a deixar que Ganso, Neymar e Gaúcho pudessem entrar em campo e emprestar ao time um pouco de criatividade, fazendo a bola girar de forma a arrepiar, com lágrimas nos olhos, na certeza de que o futebol pode ser arte e, como tal, nos conduzir para lugares mais altos e sensações mais raras.

O Brasil não vai ganhar esse troço porque achou que bastaria trocar o estrelismo esnobe de 2006 pelo nacionalismo tacanho de 2010, e que pular de um extremo do espectro para o outro seria suficiente para voltar a jogar bola.

O Brasil não volta para casa com o hexacampeonato porque está, devagar mas sempre, acabando com o temor que o resto do mundo sentia pela camisa amarela. Temor que era fruto do futebol corajoso e de toque que jogávamos, temor que vinha dos dribles desconcertantes de nossos craques, das triangulações envolventes, da alegria com que entrávamos em campo. O que vale hoje não é o chapéu que Ronaldinho aplicou em Dunga um dia, mas sim dar um carrinho na lateral do campo e sair esmurrando o próprio peito, como um Hulk hepático e exageradamente raçudo, capaz de xingar a torcida depois de marcar um gol.

E, finalmente, o Brasil não leva mais essa porque convocou uma seleção de evangélicos e, vamos combinar, se Deus existir o cara vai, naturalmente, dar uma forcinha para o futebol-arte que alguns outros estão praticando.
Ela é a favor do futebol-arte e, por isso, contra o Dunguismo. Ele é a favor do futebol moderno, mas gostaria que isto significasse mais Barcelona e menos Mourinho. Ela simpatiza com os esquemas espanhol e argentino e já não liga mais para a seleção nacional. Ele torce para o Brasil, mesmo sabendo que o futebol da Seleção é de resultados. Ela acha que Kaka é um caso de superestimação, um tipo de jogador que só brilha em condições muito especiais de retranca. Ele acha que Maradona foi, no máximo, top 10.