quinta-feira, 27 de maio de 2010

Por que não babo pela seleção

Se você é desses que não pode ouvir um brasileiro criticando a seleção, pare de ler este texto agora, antes de ficar tentado a usar toda proteção que o meio oferece para soltar seu arsenal de ofensas anônimas.

Se você quer entender como um brasileiro pode levantar os ombros para a própria seleção – e até se manifestar contra as colocações abaixo de forma civilizada –, como escreveria um Ariano Suassuna com crise de identidade, go ahead.

Poderia dizer que não pago pau para a seleção nacional por dever de ofício. Soaria bonito, mas não seria verdadeiro.

Eu simplesmente trato a seleção nacional como um objeto de análise crítica porque não tenho apego afetivo a ela. E, sem apego afetivo, fica mais fácil ver defeitos, exatamente como quando deixamos de amar uma pessoa e, ao encontrá-la na rua durante uma quarta-feira qualquer e vê-la passar, olhamos para trás e notamos que nem tão bonita assim ela era.

Não tenho apego à seleção nacional porque não concordo com a forma como ela é administrada – pouca transparência, perpetuação de poder, distanciada do povo e da mídia (refiro-me à imprensa de verdade, não à oficialiesca e pachequenta), “oficiais” de discurso sempre cheio de arrogância e atitude pernóstica.

Minha ausência de carinho com a seleção também passa pela preferência dela por uma filosofia defensiva e careta de jogo, a despeito de sermos mundialmente conhecidos como o país do futebol-arte, imagem que estamos tratando de arruinar – e em detrimento do jogo como forma de expressão artística e não usado apenas como reprodução simbólica de um campo de batalha.

Leva tempo para se aniquilar uma percepção como a que ainda tem a nossa seleção nos cinco sentidos do consciente coletivo mundial, mas, nessa toada, chegaremos lá antes de conseguirmos soletrar hexacampeão.

Esse tipo de filosofia de jogo, pobre e covarde, começou a se formar com as derrotas de 82 e 86, quando jogamos bonito e perdemos. Aí, o jogar bonito passou a ser coisa para quem gosta de perder – o lance é jogar feio e ganhar, o lance é analisar tudo com números, com dados, com estatísticas, com objetividade máxima – e às favas com a arte e com a subjetividade que nela deve sempre prevalecer.

Também não morro de amores pelo time nacional porque não gosto de ver uma seleção sendo usada como instrumento de controle das massas – um certo nacionalismo exagerado, essa regra totalitária de medir o nível de patriotismo do cidadão pelo amor que ele demonstra pela seleção, atitudes ufanistas que podemos facilmente relacionar com os piores anos da história da humanidade.

Nem sei o que significa ser patriota se o sentido de patriotismo for semelhante ao da fé: acredite sem questionar. Aí sim vou ter que usar a carta do “dever de ofício”. Não se pode fazer jornalismo sem questionar absolutamente tudo.

Exatamente por isso, quando se trata de Brasil, torço apenas para que, um dia, todo o cidadão tenha saneamento básico, acesso à educação de qualidade, comida à mesa, identidade moral e saúde pública.

Quando penso em Brasil, torço também para que nossa classe política deixe de se corromper, de construir castelos e de nos envergonhar, para que nossos empresários recusem o jogo sujo do poder e para que o dinheiro de nossos impostos seja usado em benefício de quem mais precisa dele e, depois, faça o pais crescer de forma a diminuir a diferença entre as classes.

Já quando o papo é futebol, torço para que o jogo consiga me inspirar, para que seja visto novamente como espetáculo, para que volte a ser chamado de arte no sentido mais amplo que a arte pode ter: como uma crítica da vida, capaz de nos fazer entender que existe alguma coisa muito maior do que aquilo que podemos ver, sentir, escutar, cheirar e tocar.

Se essas qualidades estiverem em pés argentinos, espanhóis ou holandeses, então é por eles que me emocionarei. Porque manifestações artísticas são maiores do que bandeiras, maiores do que hinos, maiores do que qualquer nação – mesmo que seja a nossa nação.

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