terça-feira, 13 de julho de 2010

A Copa no Brasil: por que ainda torço pelo Canadá 2014

Não tem como não se emocionar com esses vídeos promocionais que pipocam aqui e ali exibindo as belezas brasileiras com música de fundo; imagens aéreas de praias ensolaradas, vegetação densa, céu azul, ruas limpas, trânsito fluindo, gente sorrindo nas ruas, pagode no bar com os amigos – tudo tão colorido, edificante e cheio de vida. Ainda mais comovente se a musiquinha for Aquarela do Brasil; é aquele troço que flerta com o cafona, mas que arrepia a ponto de você querer ter saído de casa com uma camisa de mangas longas.

Ah, Brasil, que maravilha de lugar, que grande benção ter nascido aqui. Certíssima a FIFA de nos escolher como sede, não? Somos mesmo o máximo. E como é fácil tocar nossa emoção, sempre tão pronta para explodir em samba, pagode ou bumba-meu-boi.

Mais fácil ainda manipular a opinião pública usando esse tipo de sentimentalismo mentiroso que, aliás, deverá nos assolar entre hoje e 2014 (ou 2016).

Portanto, é hora de despertar desse estado de dormência em que normalmente vivemos. Hora de deixar tanto sentimento de lado, especialmente porque o resgate midiático da emoção de sediar uma Copa está sendo feito com muita hipocrisia e manipulações toscas, como de costume.

O vídeo que deveria ser mostrado era um que viesse acompanhado de um funk misógeno e sexista e que exibisse imagens de ruas cheias de lixo e buracos, gente inocente sangrando, marmanjos fazendo coisas privadas em lugares públicos, cadeias lotadas, engravatados tramando o próximo golpe no dinheiro público, transporte público com gente saindo pela janela no fim do expediente, estádios vazios e caindo aos pedaços, famílias vivendo sem saneamento básico, filas nos SUS, escolas carentes de carteiras e quadro-negro ... mas esse é o filme que Meirelles não vai fazer.

Portanto, só nos resta tentar entender quem ganha quando um país com altíssimos índices de corrupção e baixos de desenvolvimento humano como o Brasil é eleito sede de um evento dessa magnitude? O povo certamente não é, embora as justificativas sejam muitas: “ah, teremos aeroportos novos, metrô para todos, estádios de primeiro mundo”.

O diabo é que já deveríamos ter tudo isso. Afinal, não saímos por aí bradando ser um dos grandes emergentes? Queremos um lugar no conselho de segurança da ONU e outro no G8 e, recentemente, emprestamos dinheiro ao FMI. Por que então nem todos têm saneamento básico ou acesso à educação? Por que mesmo ainda é preciso dar um prato de comida em troca de voto (uma troca subliminar, claro, e que só pode ser entendida assim por quem teve a privilégio de ter acesso à educação, o que, pensando bem, explica por que nem todos têm acesso à educação. Alimento intelectual e moral para o povão acaba saindo muito caro para quem pretende se perpetuar no poder).

Usar a Copa ou a Olimpíada como desculpa para dar ao cidadão brasileiro coisas que ele já deveria ter é como ir ao banco e ser autorizado pelo gerente a sacar mais do que o limite diário permitido – fica parecendo que o gerente fez um enorme favor quando era apenas obrigação da empresa simplesmente porque o dinheiro é seu e você paga, e paga muito, para que o banco deixe ele ali guardadinho. Ou seja, é malandragem, é uso indevido da nossa ingenuidade.

A CBF não muda seu comandante há 20 anos e, nesse período, o que exatamente melhorou no futebol do país a não ser o vertiginoso aumento de receita da própria CBF? Não temos um estádio que seja minimamente adequado aos tais padrões FIFA. Nem umzinho, embora façamos questão de sair por aí dizendo que somos o país do futebol. Mas se os caras estão no poder há 20 anos e não conseguiram nos dar um estádio decente, nem compra de ingressos sem fila, nem lugares marcados, nem o fim da violência e do vandalismo, nem uma série de outras coisas tão básicas para a dignidade do torcedor, por que mesmo eles continuam no comando, e de quebra são agora os líderes do Comitê da Copa?

O sonoro fracasso de duas décadas de comando não é prova suficientemente forte de que esse pessoal é, na melhor das hipóteses, incompetente para administrar o futebol brasileiro? “Ah, olha, 20 anos no poder e as coisas continuam tão podres como em 1970. Então, pela façanha, vocês ficam com o direito de sediar a Copa de 2014, e fazemos questão de ter na liderança do Comitê da Copa o mesmo cara que com 20 anos de poder nada mudou no futebol brasileiro. De preferência ao lado de algum membro de sua família” – Tutupish.

Não há como ganharmos com isso. Pior: não apenas deixaremos de ganhar, como pagaremos pela farra. Lula exigiu publicamente transparência de Ricardo Teixeira na organização da Copa, mas sabemos que o conceito de transparência de Lula é tão claro quanto uma noite nublada em praia deserta, então a exigência só não fez Ricardo Teixeira se contorcer no chão em risadas histéricas porque, todos sabem, Teixeira é a representação tridimensional da carranca e não ri faz 128 anos.

Mas é bom que lembrar, a partir de hoje e até 2014, a cada obra aprovada sem licitação, a cada tijolo superfaturado, a cada autorização de dinheiro do BNDES para construção de estádios, será o nosso dinheiro que estará sendo usado indevidamente, e usado para que meia dúzia de homens fiquem bastante mais ricos e milhões de brasileiros sensivelmente mais pobres.

Por isso ainda sonho com o Canadá, que poderia receber a Copa amanhã sem prejuízo financeiro para seu cidadão.

Mas vai, Brasil. Vai que o Hexa está a caminho. E com ele todo o superfaturamento será esquecido.